FILOSOFIA VERSUS "O SEGREDO" DA HUMANIDADE - Ivo José Triches

A CONTRAPOSIÇÃO DA ABORDAGEM FILOSÓFICA ÀS IDÉIAS DO LIVRO O SEGREDO, QUE SUGERE UMA VERDADE SOBRE COMO O HOMEM DEVE AGIR

“Não se deve dar ouvidos àqueles que aconselham ao homem, por ser mortal, que se limite a pensar coisas humanas e mortais; ao contrário, porém, à medida do possível, precisamos nos comportar como imortais e tudo fazer para viver segundo a parte mais nobre que há em nós.” (ARISTÓTELES)

Inicialmente, poderíamos nos questionar: o que é a Metafísica? Qual a relação que há entre o que escreveu Rhonda Byrne em seu livro O segredo e a Metafísica, como uma forma de pensar própria da Filosofia?

Do ponto de vista etimológico, esse conceito não oferece grande dificuldade de compreensão. Com os conceitos Metà là Phiysiká, Andrônico de Rhodes
[1] quis referir-se aos livros de Aristóteles, que vêm depois da Física.

Desse modo, podemos dizer que a Metafísica é o estudo daquilo que vai além da Física. Aristóteles a chamou de Filosofia Primeira, porque como nos diz Abbagnano, no seu Dicionário de Filosofia, ela é “a ciência primeira, isto é, a ciência que tem como objeto próprio o objeto comum de todas as outras e como princípio próprio um princípio que condiciona a validade de todos os outros”.

Essa tese se sustenta na seguinte proposição: a Metafísica tem por finalidade o estudo das causas primeiras e a busca de uma verdade universal – no sentido de saber se é possível existirem coisas que foram, são e serão assim: e, ainda, que não podem ser de outro modo. Por exemplo: o princípio da não contradição de Aristóteles
[2] não de ser uma forma de pensar própria da Filosofia.

E por quê? Porque, ao longo da tradição filosófica ocidental, várias foram as contribuições acerca deste tema – a verdade -, com afirmações bem diferentes uma das outras. Isso ocorreu à medida que um filósofo ia sucedendo o outro.

Na Filosofia, as coisas funcionam mais ou menos assim: o filósofo que surge acrescenta algo ao que já existe. É por isso que novas verdades vão surgindo, suplantando muitas que pareciam intocáveis.

Assim, podemos dizer que, observando as diferentes definições de Metafísica e as finalidades a que ela deveria se ocupar, nós não encontraremos, nos discursos dos mais diferentes filósofos que refletiram sobre ela, uma postura que remeta à expressão: Pense isso. Porque a Filosofia é, antes de tudo, um Pense nisso e não um pense isso.

A Filosofia é um conhecimento aberto. Assim, podemos dizer que ela é movimento. É a procura amorosa da verdade, nunca a sua posse definitiva. Por isso, ela nasceu já acompanhada da humildade. Conta-se que as pessoas se dirigiam a Pitágoras dizendo: “Você é um sábio! Você realmente sabe muito!” E ele teria dito: “Eu não sou um sábio, sou apenas um filósofo!” em outras palavras, ele não se julgava o portador da verdade, mas, ao contrário, dizia que estava sempre buscando chegar mais próximo dela. Sobre isso também aprendemos com Sócrates, que, parafraseando Pitágoras, teria dito: “Sei que nada sei”. Frase esta que sempre é lembrada por muitos de nós. Por isso, dizemos que foi Pitágoras quem pela primeira vez, teria utilizado esse conceito na Filosofia.

Ao ler O segredo, descobrimos um livro pautado numa tese fundamental, qual seja, na idéia do Pense isso e não no Pense nisso. Caracterizando-se, portanto, como sendo um conteúdo altamente ideológico, no sentido marxiano
[3] e gramsciano[4] do conceito.


LEI DA ATRAÇÃO

Para esses autores, a Ideologia se constitui num corpo de idéias muito bem arquitetado e busca dar sustentação a uma determinada realidade. Por isso, eles diziam que, de modo geral, as idéias da classe dominada são as idéias da classe dominante. Porém, Antonio Gramsci, defendia a tese de que, com a ajuda dos intelectuais orgânicos, a classe dos debaixo poderiam elaborar uma contra-ideologia capaz de fazer frente à ideologia dos de cima.

Ao analisarmos mais à frente trechos de O segredo, evidenciamos que há, claramente, uma tentativa de universalização de um conjunto de idéias, em que os privilégios dos de cima permanecem intocáveis. Passemos agora a conhecer os aspectos gerais de sua obra.

Antes de fazer, propriamente, alusão àquilo que é objeto central desta reflexão – que é tentar desconstruir e mesmo desvendar o que há de subjacente em O segredo -, far-se-á, mesmo que de forma breve, uma descrição acerca do que trata a obra. O livro de Rhonda Byrne é posterior ao filme O segredo, que a autora resolveu produzir para revelar ao mundo aquilo que ela considera o grande segredo da humanidade: a lei da atração. Nas palavras da autora: “Tudo o que entra e sua vida é você que atrai, por meio das imagens que mantém em sua mente. É o que você está pensando. Você atrai para si o que estiver se passando em sua mente”.

De acordo com Byrne, ao longo da História, grandes homens e mulheres obtiveram sucesso e mudaram os rumos da humanidade e de suas vidas porque eram detentores desse conhecimento. Tamanho é o poder da lei da atração, que ela foi mantida em segredo, sendo descoberta por uns poucos privilegiados como Platão, Galileu, Beethoven, Einstein, entre outros.

Depois dessa descoberta (feita por acaso), a autora conta que decidiu buscar na contemporaneidade outros homens e mulheres conscientes do “segredo” e dispostos a partilhá-lo. Colheu depoimentos de “grandes mestres da atualidade” (de acordo com a autora), como Bob Proctor e outros palestrantes, filósofos empresários que acreditam que o grande segredo para a riqueza, a felicidade, a saúde, o sucesso, a longevidade é muito simples: a lei da atração – você atrai para si tudo aquilo em que se concentra.

De acordo com o livro, a lei da atração baseia-se na idéia de que nossos pensamentos emitem uma freqüência captada pelo universo. Atrairemos, dessa forma, aquilo em que nos concentramos, conscientes ou não de tal fato.

Recheando a sua exposição com depoimentos de contemporâneos que comungam da mesma tese, Byrne afirma, categoricamente, que qualquer pessoa pode conseguir qualquer coisa, ou seja, basta se concentrar e o universo responderá às vibrações de seu pensamento.

De acordo com a autora, não se trata apenas de pensamento positivo. A lei da atração é mais profunda que isso: seus pensamentos atrairão aquilo em que você se concentrar: então, se ficar preocupado com a obesidade, seu pensamento produzirá certa freqüência e você atrairá mais obesidade para sua vida.

Também não basta, segundo Byrne, pensar em coisas boas; é preciso visualizá-las, agir como se elas já estivessem ali e, assim, é possível conseguir tudo que se quer. Como se o universo atendesse às nossas solicitações. Uma idéia que, conforme afirma a autora, não é nenhuma novidade, já estava na Bíblia: “Pedi e recebereis”.

A credibilidade conquistada por Byrne se deve ao fato de embasar suas afirmações com explicações retiradas, na da astrologia, do esoterismo ou da religião, mas de ciências como a física, a Química – áreas de grande credibilidade em nossa sociedade. Ao explicar “cientificamente” a lei da atração, a autora conquista a confiança dos leitores.


O PRISMA IDEOLÓGICO

Voltemos à tese, qual seja, a proposição de que esse livrofoi construído no sentido de ser um Pense isso, daí seu caráter ideológico.

Partindo da falácia Ad verecundiam (apelo à autoridade) – já conhecida na História da Filosofia pelo que se convencionou chamar de Lógica não Formal -, a autora reproduz, logo no início do livro, um argumento tão difundido na cultura norte-americana: a idéia da riqueza fácil. Citando Bob Proctor, que diz: “Por que você acha que 1% da população ganha cerca de 96% de todo o dinheiro que circula? Você acha que isso acontece por acaso? Isso é planejado assim. Esse 1% entende algo. Eles entendem ‘o segredo’, e agora, você está sendo apresentado a ele”.

Qual a intencionalidade subjacente a tal afirmação? Por que logo depois de revelar “o segredo”, a autora procura enfatizar a idéia de que é possível obter riqueza facilmente, bastando conhecer tal segredo?

Ora, somos sabedores de que vivemos numa sociedade em que a riqueza súbita é desejada por muitos; em que o que vale não é nem tanto o novo, mas sim a novidade; onde o caráter pragmático da cultura norte-americana é difundido de todas as formas possíveis – e esse livro é mais uma evidência disso. Percebe-se, claramente, que uma das dimensões ideológicas dessa obra reside no fato de que basta eu acreditar e pensar que ficarei rico, e isso ocorrerá inexoravelmente.

Essa maneira é própria da cultura norte-americana, na qual a lógica do consumo é altamente difundida. Assim, esse tipo de discurso encontra terreno fértil para se reproduzir
[5].

O interessante é observar que o caráter histórico em que os atores sociais estão inseridos não é levado em consideração pela autora. Outro aspecto a ser destacado é que o que está oculto (daí seu caráter ideológico) é a idéia de que eu poderei ter tudo o que quiser mesmo que seja de forma solipsística (na filosofia, isso quer dizer que só existe o “eu”, os outros entes ou mesmo os demais seres humanos, são apenas coisas). Fica tudo muito relegado à subjetividade. Isso fica muito evidente na seguinte afirmação da autora: “Agora você está conhecendo ‘o segredo’, e com esse conhecimento poderá mudar tudo”. A tese marxiana de que podemos mudar a História, mas, se desejarmos mudá-la, a luta necessita ser coletiva, é aqui ignorada. Essa afirmação de Byrne evidencia, ao nosso entendimento, que há um dogmatismo obscurantista presente no seu livro. Tenta nos fazer acreditar, que sozinhos, podemos mudar o rumo da nossa vida e da humanidade. Ela escreve sobre o homem como se cada um fosse uma subjetividade isolada no cosmos e não se construísse a partir das relações com os demais atores sociais. A tese freirena, de que ninguém educa ninguém, que ninguém se educa sozinho, mas que nós nos educamos pela mediação pedagógica e ainda mediatizados pelas condições históricas em que estamos inseridos é, aqui, totalmente desprezada, ignorada.


CONTRADIÇÕES

Por outro lado, esse “segredo” – lei da atração – poderia ser também questionado da seguinte forma: como explicar, por exemplo, tragédias coletivas? Todos os envolvidos estavam vibrando na mesma freqüência trágica? E a sobrevivência de um suicida? A vibração de seu pensamento foi tão positiva no momento em que ele tentava tirar a própria vida a ponto de conseguir preservá-la?

Podemos, ainda, afirmar que é possível entender que esse “determinismo psíquico” presente em O segredo constitui-se numa hetero-ajuda, no sentido de que, para buscar melhorar meu endereço existencial, necessito buscar essas idéias que são exteriores a mim, sendo ela, Rhonda Byrne, a grande reveladora e porta-voz das mesmas.

O caráter significativo de escolher-se de Soren Kierkegaard (1813-1855) é aqui ignorado. Por isso, a autora de O segredo produz, com sua obra, a morte da Filosofia, à medida que o Pense isso é mais importante do que o Pense nisso.

O pensamento de Espinosa (1632-1677) também contrapõe o determinismo presente em O Segredo. Para o pensador, todos os elementos presente na Natura Naturada – materialização da Natura Naturante – são portadores de um conatus.

No Dicionário Latino-Português de Raulino Bussarello, conatum significa “esforço”, “tentativa”. Esforço ou tentativa do quê? Para Espinosa, o conatus consiste no esforço contínuo, na luta pela existência. Por isso, podemos dizer que o conatus é uma força intrínseca que nos chama para a vida. Ninguém deseja conscientemente morrer. Lutamos continuamente para nos manter vivos. “Isso vale tanto para nós humanos quanto para os demais seres existentes no universo”, diz ele.

Nos dias atuais, um mal existencial que vem sendo muito divulgado e mesmo estudado é a depressão. Podemos afirmar que alguém que se encontra nesse endereço existencial de sofrimento é alguém que está com seu conatus enfraquecido.

Para Byrne, a solução para a depressão passa pela lei da atração. Assim nos diz ela:

“Você possui dois conjuntos: os bons e os maus. E sabe a diferença entre os dois porque um faz você se sentir bem e outro faz você se sentir mal. É a depressão, a raiva, o ressentimento, a culpa. Esses sentimentos não fazem você se sentir fortalecido. São os maus sentimentos”. Mais adiante, reafirma: “A coisa mais importante que você deve saber é que é impossível sentir-se mal e, ao mesmo tempo, ter bons pensamentos. Isso desafia a lei, porque seus pensamentos produzem seus sentimentos. Se você está se sentindo mal, é porque está tendo pensamentos que estão fazendo você se sentir mal.

Muito embora a teoria das paixões da tristeza e das paixões da alegria de Espinosa possua certa semelhança com a teoria do livro em questão, quando analisada de modo mais profundo vemos que são coisas bem distintas. Para ele, as paixões da tristeza podem ser consideradas como paixões fracas. Isso porque elas, uma vez existindo em nós, enfraquecerão o nosso conatus. Ao passo que as paixões da alegria são consideradas paixões fortes, justamente por serem opostas às da tristeza. Como exemplos de paixões da tristeza, podemos citar a inveja, o ciúme, a mágoa, o ódio e o vício. Já no que tange as da alegria, temos a bondade, a amizade, a beleza, o perdão e a virtude entre outras. Mas afinal, o que isso tem de diferente da teoria de Byrne?

Para responder a essa questão, necessitamos compreender o conceito de Ética
[6] para Espinosa. Ele nos diz que nosso conatus não vive de forma solipsística. Não há como não estabelecermos relações com o conatus dos demais seres existentes na natureza. Todo encontro intersubjetivo acaba sendo um encontro de conatus.

Se na relação que estabeleço minha intenção é tentar ceifar o conatus do outro, então este outro virá de encontro ao meu conatus. Você deve estar se perguntando: e o que isso significa? Significa que ele tentará fazer de tudo para enfraquecer o meu conatus porque, em última instância, ele também deseja que o seu continue a existir.


O PAPEL DA ATITUDE

No entanto, se assim agirmos, a Ética estará longe, uma vez que, segundo Espinosa, ela consiste na luta constante para que ambos os conatus possam continuar existindo em uma determinada relação. Em outras palavras, se faço o bem, recebo o bem, não apenas porque meus pensamentos são bons, mas porque, à medida que o faço bem, você terá seu conatus fortalecido; consequentemente desejará também fortalecer o meu, razão pela qual teremos como resultado o fortalecimento recíproco dos conatus.

Um exemplo que certamente nos ajudará a entender melhor a questão acima é o contraponto que podemos fazer entre o educador brasileiro Paulo Freire e os traficantes de modo geral. Para os educadores que conheceram Paulo Freire pessoalmente, ou já leram algo sobre o pensamento dele, não haveria dificuldade de entrar em consenso acerca de suas intenções, qual seja, de que sua grande missão consistiu numa luta contínua para o fortalecimento do conatus da coletividade em geral. Por isso, ele está imortalizado na alma de tantos de nós. A maioria que conhece sua teoria percebe que ela nos fortalece no tocante à esperança de dias melhores para todos pela ajuda que a Educação pode nos facultar. Por isso, ele é amado por tantos atores sociais neste país.

No entanto, não podemos dizer o mesmo dos traficantes. Suas escolhas vão no sentido do enfraquecimento do conatus de todos aqueles que se envolvem na dependência química. Pó essa razão, eles são vistos como pertencentes ao “eixo do mal”. Sempre que podem – estando numa posição de segurança -, as pessoas de bem procuram denunciá-los tentando afastá-los uma vez que suas ações enfraquecem o nosso conatus.

NOTAS

[1] Pensador romano do século I a.C., a quem foi confiado que organizasse as obras deAristóteles quando as mesmas foram apropriadas por Silas no ano de 86 a.C. e levadas de Atenas para Roma.
[2] Dois homens não podem ocupar o mesmo lugar, no mesmo tempo e espaço.
[3] Por marxiano, nos referimos ao próprio pensamento de Karl Marx (1818-1883).
[4] Gramsci pode ser considerado um pensador marxista autêntico porque interpretou de modo original o pensamento marxiano. Suas maiores contribuições são do período que esteve preso (1926-1936). São famosos os chamados Cadernos do Cárcere, em que a Educação e a Política ocupam um papel de destaque.
[5] Como somos altamente influenciados pela cultura norte-americana e vivemos em tempos de globalização de quase tudo, isso acaba se reproduzindo por aqui com muita facilidade também. No meu entedimento, é uma verdadeira “praga daninha” porque não favorece a cultura do cooperativismo, da comensalidade.
[6] Uma de suas principais obras é justamente esta chamada Ética.

BIBLIOGRAFIA
TRICHES, Ivo José. Filosofia versus O segredo da humanidade. Filosofia: ciência e vida. São Paulo : Scala, 2008. a.2, no.8, p.50-7

Um comentário:

ESCOLA MUSICAL FRANCISCO DE PAULA disse...

Muito interessante e esclarecedor este artigo com o Prof. Ivo José Triches, que é meu Professor de Pedagogia a Distância.
Como estou amando a Filosofia ensinada por ele, busquei através do Google, conhecê-lo melhor. E foi uma agradável surpresa, encontrá-lo neste site tão importante !!!
Parabéns aos senhores e ao prof. Ivo.
Obrigada
Leonídia Hernandes Garcia Santos