O que é Estoicismo?



O lema "suporta e renuncia" transformou a doutrina em sinônimo de resignação e firmeza de princípios" por Antonio Carlos Olivieri
Por causa de um naufrágio, diante do Porto de Atenas, um rico mercador fenício se viu repentinamente reduzido à pobreza. Para recuperar-se do choque, dedicou-se à leitura de um livro de Xenofonte (428? a.C.-355?a.C.), umdos discípulos de sócrates (470/469 a.C. a C-399 a.C.), e passou a frequentar uma das muitas associações filosóficas existentes na cidade. Um ano depois, se tornaria filósofo. Ensinava suas concepções num dos pórticos atenienses, decorado com as pinturas de Polignoto, e chamado de Pórtico Pintado. Ali permaneceria por cerca de 60 anos, e o local daria nome à escola filosófica que ele fundou: o estoicismo.
Relatado por Diógenes Laércio (200-250) em Vidas, Doutrinas e Sentenças dos Filósofos ilustres de cada seita, o naufrágio ocorreu por volta de 300 a.C. e o náufrago, chamado Zenão de Cicio (335 a.C.-264 a.C), pregava que o homem não deve resistir às adversidades do destino, mas resignar-se a elas, desapegando-se das coisas do mundo e desprezando os prazeres e as dores. As idéias de Zenão frutificaram em uma sociedade grega já transformada pela ação militar fulminante de Alexandre da Macedônia (356 a.C.-323 a.C.)
Dois séculos após a morte de Zenão, o centro político do mundo helenístico se deslocaria para Roma. O estoicismo se tornou sua filosofia por excelência e seus principais expoentes desenvolveram-se no império romano: Sêneca (4 a.C-65 d.C.), Epíteto (50-120) e Marco Aurélio (121-180). A filosofia estóica, portanto, não só abrangeu um imenso espaço geográfico, como também sua vigência se estendeu por cerca de cinco séculos.
Antes de tentar explicar o que garantiu essa longevidade ao estoicismo, é necessário apresentar sua doutrina. Para os estóicos, a Filosofia se divide em três partes inseparáveis, a Lógica, a Física e a Ética, sendo esta última a mais importante e à qual se direciona todo o esforço do filosofar. De acordo com a lógica do estoicismo, o conhecimento consiste na apreensão de seu objeto, graças à impressão que este produz no espírito humano.
Quanto à física, os estóicos admitem a existência de dois princípios: o passivo, que é a matéria pura e simples, e o ativo que é a razão. Para a Filosofia do Pórtico, a razão tem um caráter corporal e se mescla à matéria. Nesse sentido, a natureza está impregnada pela razão, e esse conjunto se identifica com a divindidade. Ou ainda, nas palavras precisas do filósofo espanhol Julián Marías (1914-2005):
"O encadeamento das coisas determina uma harmonia entre elas; o universo é como uma obra de arte, conexa e ordenada; o destino aparece, considerado assim, como providência. O mundo - isto é, Deus - é inteligente; sua beleza e regularidade o provam; mais ainda, a existência de Deus se depreende da contemplação dessa ordem e dessa harmonia, que apontam a obra de uma inteligência..."
Disso se extrai a ética do estoicismo: a virtude consiste numa conformidade racional com a ordem natural das coisas. A razão, que é da natureza humana, nos conduz a estar de acordo com a natureza (Deus), que compreende também o destino. Desse modo, ao sábio - aquele que adquiriu a plena posse da razão pelos estudos filosóficos - nada pode afetar. Para ele, nada é bom ou mau, pois atingiu o estágio da ataraxia, ou serenidade sobre todas as coisas, a partir de uma fórmula latina que resume a práxis estóica: sustine et abstine (suporta e renuncia).
Expostas as linhas gerais da doutrina do Pórtico, talvez se torne fácil compreender por que ela se impôs ao mundo helenístico e romano, suplantando as filosofias de Platão e Aristóteles, que lhe foram anteriores. O estoicismo é uma Filosofia que deixa de lado as grandes questões metafísicas e se volta para os problemas práticos. Oferece aos seus seguidores uma maneira pragmática de encarar e enfrentar a vida. Constitui-se, por assim dizer, num pensamento para as massas.
Não há dúvida de que nisso reside um paradoxo: a inegável inferioridade teórica do estoicismo em relação ao pensamento platônico e aristotélico não apaga sua riqueza moral nem a força com que se estabelece no campo da Ética. Trata-se, porém, de uma riqueza e força monocórdias. De Zenão a Marco Aurélio, todos os estóicos, sem exceção, glosam das mais variadas maneiras o "suporta e renuncia".
Nisso, aliás, reside certamente a grandeza de Sêneca (4 a.C.-65), o maior dos estóicos. Além de filósofo (e político), Sêneca era acima de tudo um literato, um habilíssimo artífice da linguagem, que traduz seus raciocínios em imagens deslumbrantes, em belíssimas metáforas, em parágrafos ágeis e ritmados, de onde se podem extrair frases que têm o punch de provérbios. É o que qualquer leitor atual poderá constatar, com imenso deleite, se abrir suas Cartas a Lucílio ou algum de seus tratados, como Da Providência Divina ou Da Brevidade da Vida.
OLIVIERI, Antonio Carlos. Estoicismo. Discutindo Filosofia, a.2, n.9

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