O QUE É BIOÉTICA?

Uma nova abordagem interdisciplinar surge para promover o debate entre diferentes áreas do conhecimento - Paulo Fraga da Silva


Os recentes avanços da Ciência e da Tecnologia ão cada vez mais visíveis, assim como algumas das notáveis transformações sociais resultantes desse processo. Naturalmente, o impacto das inovações científicas e tecnológicas tem sido objeto de debate, tanto pelo seu potencial de danos, como pelas suas implicações éticas e sociais. A partir daí surgem algumas perguntas: se a ação humana transforma o ambiente, como podemos aferir suas conseqüências? O utilitarismo segundo a premissa de que "os fins justificam os meios" é lícito? Toda sociedade deve estabelecer limites para a atividade científica? Que desafios enfrentaremos?
É nesse contexto de temores e esperanças que surge a necessidade ética de pensar nas repercussões dos "novos saberes" biológicos; aí temos a constituição da Bioética como importante instrumento para reflexão e socialização do debate sobre as tecnociências.
O temo "bioética" pode ser etimologicamente definido como "ética da vida" (neologismo a partir das palavras gregas bios, "vida" e éthike, ética"). considerando que a Bioética surgiu para resolver questões que a Ética tradicional não conseguia mais solucionar satisfatoriamente, devemos defini-la de maneira abrangente, porém não ampla demais. Há também que ter outro cuidado: oposta a essa, existe uma definição considerada insuficiente, pois reduz a Bioética ao que foi preconizado por Hipócrates, prescrito no código de ética médica.
Assim, podemos ampliar e enriquecer a definição de Bioética, tal como o fez o bioeticista chileno Miguel Kottow, ao defini-la como a "ética aplicada aos atos humanos que podem ter conseqüências irreversíveis sobre os próprios homens ou sobre qualquer ser vivo". Nese sentido, percebe-se sua proximidade com a Filosofia moral.


Origem incerta

Ao tentarmos localizar a Bioética na História como um movimento social vierificamos a inexistência de um consenso sobre o marco oficial de seu nascimento. Destaca-se a obra Bioética: ponte para o futuro (Bioethics: a bridge to the future, 1971), na qual o biólogo norte-americano Van Rensselaer Potter (1911-2001) cunhou o termo.
Por outro lado, o surgimento da Bioética está relacionado aos excessos cometidos em pesquisas com seres humanos. A utilização de "cobaias" humanas mobilizou a opinião pública estadunidense e suscitou uma discussão em torno da necessidade de uma regulamentação para identificar para identificar os princípios éticos básicos norteadores de tais pesquisas. Esta corrente, chamada principialista, constituiu um paradigma clássico e dominante na Bioética, e foi importante e útil ao seu desenvolvimento. O principialismo tem como seus maiores representantes Thomas L. Beauchamp e James F. Childress, do Kennedy Institute of Ethics (Georgetown University). Vale mencionar a existência de outras correntes da Bióteica, como a casuística, a ética do cuidado, a ética narrativa, a hermenêutica, entre outras, cada qual com seus métodos próprios.


Caráter interdisciplinar e crescente

O caráter interdisciplinar da Bioética se expressa na promoção do diálogo e debate entre áreas distintas. Segundo a metáfora "ponte" de Van Rensselaer Potter, a Bioética podia ser definida como uma espécie de interface entre ciências da vida e humanidades, em outras palavras, é a promoção do diálogo e da reflexão entre essas áreas.
No Brasil, apesar de os estudos datarem dos anos 90, já há uma produção intelectual considerável. Atualmente, a bioética está presente nos comitês de Ética em pesquisa e nas discussões sobre temas emergentes (por exemplo, transgenia, células-tronco etc.).`
É preciso que esse "fazer bioético" considere o complexo cenário em que vivemos. Temas, como por exemplo, a fome, a miséria e a precariedade nos setores de Saúde de Educação agligem os brasileiros diariamente. Assim, a (re)contextualização da bioética no País deve considerar a vulnerabilidade da população, agravada pelo acentuado grau de desigualdade social.
Nesse contexto, a Bioética de proteção tem espaço garantido, pois, ao questionar uma tecnociência que amplia a desigualdadesocial, essa vertente busca minimizá-la, posibilitando a construção de um rumo cujos pré-requisitos sejam a defesa dos Direitos Humanos e da dignidade humana. Um passo significativo nesse sentido foi dado em 2005, a partir da publicação da "Declaração Universal de Bioética e de Direitos Humanos", pela Unesco (o documento encontra-se disponível do lado direito da página). A reflexão bioética pode ter espaço em qualquer lugar da comunidade, e assim, acreditamos que a escola é um importante local de ação.

(Discutindo Filosofia, a.2, n.8, p.32-3)

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